O filósofo francês Jean-Paul Sartre, nascido em 1905, escreveu belas páginas sobre sua infância feliz, embora tenha perdido o pai com menos de um ano de idade. Foi morar com sua mãe na casa de seu avô Karl Schweitzer, alsaciano de língua alemã, tio do famoso médico e pacifista Albert Schweitzer, que seria agraciado em 1952 com o prêmio Nobel da Paz. A mãe de Sartre voltaria a se casar quando o menino tinha doze anos e o ódio por seu padrasto marcou o fim da infância abençoada.
Mas nos primeiros anos tudo era motivo de alegria. O avô adorava o neto, que também mantinha com a mãe uma relação quase fusional. Mas a figura paterna era claramente Karl Schweitzer, que dedicava seu tempo à educação do neto, o que certamente contribuiu para seu despertar intelectual precoce.
Nessa mesma época firmava-se a fama do dramaturgo e romancista Georges Courteline, um dos escritores mais lidos na França nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Courteline era popularíssimo por seus livros de sátira, e criara personagens cômicos que tornaram-se rapidamente familiares tanto às crianças como aos adultos franceses. Alguns anos antes havia publicado seu Theodore procura os fósforos e uma peça sobre o ônibus da linha Panthéon-Courcelles, e seus livros haviam feito as delicias do avô e do neto.
Talvez encorajado pelo avô, o pequeno Sartre, que tinha apenas seis anos e meio, resolve escrever em janeiro de 1912 para Courteline e dizer-lhe o quanto se divertira com o livro. Esta cartinha deliciosa está reproduzida nesta página, e é a primeira de que se tem notícia na letra do grande filósofo e escritor francês − que também seria agraciado em 1965 com o prêmio Nobel de Literatura, que deu-se ao luxo de recusar.


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A carta merece ser citada na íntegra:

“Caro Senhor Courteline
Vovô me disse que lhe deram uma condecoração importante. Isso me deixou muito feliz, pois dou muitas risadas lendo “Theodore” e o ônibus “Panthéon-Courcelles” passa em frente à nossa casa.
Também tentei traduzir “Theodore” com minha babá alemã, mas a pobre Nina não entendia a graça da piada.
Do seu futuro amigo
Feliz ano novo.
Jean-Paul Sartre
Seis anos e meio”

Esta carta famosa é citada por todos os biógrafos de Sartre e foi reproduzida no álbum fotográfico que lhe consagrou a prestigiosa coleção Pléiade em 1991. Foi descoberta entre os papéis de Courteline e passou por duas ou três coleções privadas importantes de documentos literários franceses, até ser adquirida em leilão no ano passado por seu atual detentor.
Nada perdeu de seu frescor nos cem anos que se passaram desde que um menininho francês notavelmente esperto decidiu escrevê-la.